Noite.Frio.Rua da cidade. Caminhando.Sozinho.Mais ninguém por perto.Apenas ele. E mesmo assim ele segue usando seus velho all star surrado, calça jeans com rasgos que carregam consigo historias e uma blusa dos beatles preta com um casaco com capuz para aguentar o firo que estava fazendo aquela noite. Por que ele estava ali? Ele precisava de uns momentos a sós, longe de tudo e até de si mesmo, mas já que se afastar de si mesmo não era uma opção, ele preferiu se levar para dar uma volta.
Não aguentava mas ficar em casa, se sentia preso e não gostava de se sentir assim. Não era preso fisicamente, mas mentalmente, era como se ali os seus pensamentos não pudessem ser livres e era preciso um pouco de ar puro para que os seus pensamentos pudessem ser livres um pouco, era preciso reavaliar sua verdades e convicções, repensar em tudo aquilo que estava em sua cabeça há alguns dias e considerar novamente se algumas coisas valiam mesmo a pena ou se era melhor desistir e mudar de rumo, de estrada, de percurso.
Carregava consigo uma raiva, um leve pensamento que carregava consigo um pouco de raiva, mas nada muito intenso apenas um pouco, o que fazia com que seu caminhar fosse mais calmo, ele não prestava atenção ao que estava a sua volta, apenas andava em direção a lugar nenhum em busca de uma forma de refrescar a cabeça e reavaliar suas verdades. E ao andar sem saber onde ele esbarra em alguém, ao ver que havia derrubado todos os pertences da moça no chão rapidamente se dispõe a recolher e a ajuda-la, e em um instante se vê frente e a frente com ela. A observa por alguns segundos imaginando como alguém tão belo estaria a noite sozinha caminhando, estava com um rosto um pouco triste com rastros de lágrimas por todo o seu rosto, não parecia ter sido assaltada ou que alguma mal tenha sido feito a ela, ela estava triste só isso. Subitamente todos aqueles pensamentos que antes infestavam a cabeça dele somem, e ele passa a querer saber o que houve com ela.
- Está tudo bem? - Ele pergunta sem esperar um resposta além de um simples "sim"
- Não, mas minha vida não deve ser tão importante para você.
- Você se engana, todas as vidas são importantes.
Neste instante ela abre um sorriso sem graça, como se não abrisse um há meses...vê nele uma serenidade e simplicidade não vista antes e se encanta. O semblante dela antes pesado, melhor um pouco e ela então responde;
- Está com pressa?
- Não.
- Está indo a algum lugar importante, ou encontrar alguém especial?
- Estava somente andando, e as vezes quando não vamos de encontro até as pessoas especiais, elas vem de encontro a gente.
Já passava das 2 da manhã, mas quem se importa? As horas são só uma forma de traduzir o tempo, e naquele momento o tempo não precisava ser traduzido, precisava apenas ser apreciado e sentido.
Sentaram então no meio fio, observando os carros que as vezes passavam por ali de forma rápida, e e em como as nuvens naquela noite resolveram dar espaço para que a lua iluminasse a rua e a eles dois.
- Olha, eu sou estranho, antes de qualquer coisa eu não quero saber seu nome, ok?
Ela se assusta um pouco, e pergunta
- Algum motivo especial?
- Pra mim a sua história é mais importante.
Ela sorri e começa a contar a ele o que houve.
Uma noite antes do encontro deles ela estava em casa, como qualquer outro noite em que ela havia ficado em casa não havia nada de especial, ela assistia series e filmes e lia bons livros, tudo estava bem normal, ela trajava aquela camisa masculina que nela ficava enorme, estava com meias até as canelas e com um sorriso no rosto, até que o universo decide então fazer sua função de equilibrar as coisas, pois ele tem inveja quando as coisas estão muito boas para alguém. O telefone dela toca, já era tarde então provavelmente algum ruim ou muito importante havia acontecido para que ligassem para ela essa hora da noite, ela atende calma.
- Alô?
- Me desculpa... - Uma voz tremula diz a ela do outro lado da linha, uma voz masculina que ela conhecia muito bem.
- Desculpar? Amor, o que houve? - Nesse instante toda aquela calmaria e tranquilidade que antes reinavam nela não estavam mais ali.
- Eu não resisti...não pude...não quis...mas eu fiz... - A voz começa a ficar mais firme, mas mesmo assim era possível sentir tristeza e um peso de remorso no tom que ele usava.
- O que houve? - Ela já não aguenta segurar o coração de tanta ansiedade e curiosidade, ao mesmo tempo em que se sente sem fôlego e sem chão.
- Eu te trai, não quero mais viver uma vida contigo...os sonhos não são mais nossos, são meus...você não tem lugar mais lugar em minha vida....e eu não quero mais fazer parte da sua. - A voz mais uma vez fica firme, não é mais possível ouvir tristeza, mas se tornar perceptível um alivio, como se lhe fosse arrancado um mundo das costas.
- Você...não...não pode...não... - Ela começa a chorar, e a sensação de estar sem chão aumenta e as lágrimas passam a escorrer no seu rosto.
Ele então desliga o telefone.
Em um ligação se encerram historias, sonhos, planos, desejos, uma vida que era unida por nada mais que por amor, compreensão e carinho. A vida as vezes tem dessas de nós surpreender e nos virar de cabeça para baixo e as vezes, só as vezes, isso é o melhor para a gente, mas demora um pouco para que possamos entender isso.Após a ligação, o dia amanhece e ela sai de casa em busca de ar, em busca de se afastar de tudo que estava antes ali que a fazia lembrar dos dois, se afastar de todas as lembranças e memorias de momentos felizes dos quais os dois compartilharam. Ela passou o dia a caminhar, e quanto mais andava, mais lágrimas ficavam no percurso e com elas, iam também um pouco das lembranças...era difícil acreditar no que havia acontecido, mas ela acreditava. Todas ligações não atendidas, todas as vezes que ele trabalhava até tarde e não tinha tempo para ela, todas aquelas ligações que ele se afastava para atender, agora tudo fez sentido...tudo estava ali diante dela e ela se recusava a ver e agora tudo fazia sentido, ela se sentia estúpida, mas na verdade ele que foi estúpido ao troca-la por um caso que talvez não desse certo. Ele trocou todos os planos e sonhos, por uma garota que troca qualquer pessoa que a ofereça mais, mas isso ele descobriria mais tarde.
Ela andou o dia todo e já estava muito distante de casa, distante de tudo aquilo que a lembrava dele quando esbarrou nele. Ela, assim como ele, estava distraída, já havia cessado o choro e agora caminhava apenas, pensava em como seria a vida a partir de agora em que ela teria que aprender a se virar sozinha.
Após ouvir a história dela com atenção para que não perdesse cada detalhe e a olho fixamente e diz
- Ent....
- Posso dormir na sua casa hoje? - Ela diz sem que ele pudesse completar a sua frase.
- Dormir na minha casa? - Ele parece não acreditar muito bem no que ela diz.
- Sim, estou bastante cansada e moro um pouco longe daqui. E não está passando mais nenhum ônibus ou trem em direção a minha casa.
- Mas você se sente segura comigo?
- Seus olhos.
- O que tem meus olhos?
- Eles transmitem paz e segurança, e eu confio neles. Os olhos revelam muito mais do que você imagina.
Ele então concorda e a leva para casa, na verdade um apartamento sem muitas mobílias. Estavam ali um geladeira verde um pouco antiga, um colchão no chão mesmo com um lençol branco e um coberto dobrado na ponta e alguns travesseiro na outra ponta. Uma televisão em cima de uma pequena mesa, ela estava ligada porém no mudo, estava passando um daqueles programas de vendas que só passam durante a madrugada. Um armário e uma mesa com um laptop e camera em cima, e um fogão com algumas panelas com comida. Um apartamento modesto e simples, assim como o dono dele. Ele então diz.
- Pode deitar, durma, descanse um pouco.
- Mas e você? - Ele pergunta já que repara que não há outro lugar para que ele durma, já que só há um colchão e algumas cadeira e pufs no apartamento.
- Eu? bem...eu vou vigiar seu sono, você já passou por tanta coisa, que eu não vou deixar que nada mais te aconteça - Ele responde abrindo um sorriso no canto dos lábios.
Ela sorri, pega uma camisa dele que estava espalhada pelo chão, veste, deita e rapidamente adormece.
Ele então faz um café, para ajuda-lo a despertar e acreditar no que o destino aprontou pra ele, ver uma garota ali, indefesa e abalada com as brincadeiras que o destino as vezes faz com a gente. Via nela uma garota forte e decidida, mas como explicar isso sendo que mal a conhecia, uma conversa não é o bastante para tirar essas conclusões sobre alguém, e enquanto ele observava ela dormindo,ele não tirava da cabeça a ideia de que como pode alguém pode deixar com que ela se machucasse, ou pior, como alguém pode machuca-la daquela forma?. Ele então, depois de algumas horas, já perto do dia nascer, adormece.
...
Um cheiro gostoso passa a tomar conta do apartamento, ele então desperta aos poucos, indagando se tudo aquilo foi um sonho ou se realmente ocorreu. Ele então sente um toque, um cariciar no seu rosto, e quando ele se vira de depara com ela. Ela estava ali em pé, trajando a blusa que havia pego no chão, juntamente com o chinelo que ele nem lembrava que existia, ela estava próximo ao fogão, fazendo algo que pareciam panquecas! Nossa, a quanto tempo ele não comia panquecas, ainda mais feitas em casa. Ele se levanta da cadeira, agarra o celular que estava em cima da mesa e antes que ele pudesse ver as horas ela diz
- Bom dia dorminhoco! Espero que goste de panquecas. - Ela fala com um sorriso no rosto, nem parece a mesma garota triste que ele havia conhecido no dia anterior.
- Bom dia - ele diz bocejando - amo panquecas! Mas não precisava se incomodar.
- Queria agradecer por ontem, e começo a entender uma coisa que eu sempre lutei contra.
- E o que seria?
- Que pessoas tem que sair da sua vida, para que outras possam entrar e fazer com que você se sinta bem de novo. E se não fosse meu ex, eu não teria conhecido você. E para ser sincera, gostei de conhecer você - ela fala com um sorriso tímido e começando a ficar vermelha.
- Isso é uma verdade dura, nem sempre as pessoas saem de uma forma tranquila, as vezes doí, mas é bom conhecer pessoas novas, e confesso que conhecer você está sendo um prazer pra mim. Desde ontem venho pensando em como seu ex foi estúpido ao fazer o que fez.
- Eu agradeço a ele, se ele não tivesse feito, eu não teria conhecido você.
- Eu também. Agora vou tomar uma ducha, para despertar.
- Quando voltar as panquecas estarão prontas.
Ele entra no banheiro e liga o chuveiro na água morna, entra e fica por alguns minutos apenas pensando, pensando em como o universo as vezes "joga" pessoas na sua vida que se encaixam perfeitamente com você, que você se pergunta em como não as conheceu antes, e ao mesmo tempo o porque de não ter as conhecido antes...então ele se lembra que tudo tem um tempo certo, e nem sempre é o tempo dele. Ele então se lava, sai do banho, se veste e sai do banheiro.
Encontra então a mesa arrumada e cheia de panquecas, ela sentada esperando ele para começar a comer. Ela com camisa dele que nela ficava larga, com os pés na própria cadeira, como se abraçasse um dos joelhos, e com os pés descalços, ele vê é pensa "esses são os pés mais lindo que vi", eles era brancos e sem unhas pintadas, eram normais, mas eram lindos.
Conversaram durante horas, sonhos, planos, histórias, motivações, idades, família....vários assuntos surgiram, e parecia cada vez mais que a conversa não teria fim, os assuntos não acabavam e quanto mais conversavam, mais assuntos tinham em comum, mais sonhos eram parecidos e mais tudo se encaixava como um grande quebra cabeça do universo em que duas peças, que eram eles, finalmente se encaixavam. Não sabiam as horas, e nem se importavam, pois como disse, as horas não importavam, mas o tempo que eles presenciavam era para se ser sentido e não explicado ou traduzido em horas.
O sol então começa a se pôr
- Vem cá, preciso te mostrar uma coisa - Ele fala abrindo a porta
Ela o segue. Ele então começa a subir as escadas com ela, até que chegam no topo do prédio, ele então senta e encosta suas costas em uma parede que havia e ela senta ao lado dele e passam a observar o pôr do sol.
- Você é linda, divertida, engraçada, bem humorada, incrível...não sei como serão as coisas depois que você se for, mas saiba que se um dia te falarem o contrário é mentira.
- Seus olhos são incríveis e você também é tudo isso, me pergunto o por que não nos conhecemos antes.
Um silêncio então toma conta do lugar, só cortado pela pequena arritmia cardíaca que no momento tomava conta dele.
- ... As coisas acontecem no tempo certo. - ele diz de um modo suave enquanto a olha nos olhos.
Então um beijo acontece.
- Qual seu nome? - ele pergunta.
- Ana...